quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus - 2006 - Texto Sandra Lima Costa Melo

MEDO DE VIAJAR

Desfiz as malas.
A viagem foi adiada, tive medo de ir porque o ônibus parecia inseguro.
Pensei em arriscar, cheguei a subir os primeiros degraus e avistar minha poltrona.
Mas a covardia me fez voltar, desistir de tudo.
Joguei-me no sofá arrasada, sentindo-me fraca e pequena. Vontade de estar lá, mas sem correr os riscos da estrada.
Talvez nem fosse tão inseguro assim...
Poderia ser a minha viagem mais gostosa, mais fascinante...
Quem sabe contemplaria horizontes que só aquele dia teria pra mostrar ou me sentaria com alguém interessante que me puxasse uma conversa envolvente enquanto eu desapercebia os riscos da viagem...
Tenho vontade de ir...
Prefiro nem saber que a viagem foi boa, que todos a desfrutaram enquanto meu medo jogou-me neste sofá paralisada e indecisa.
Enfim desfazer as malas pra evitar lembrar do meu fracasso em enfrentar a vida e desafiar minhas fobias...
E mal abro o zíper da mala, a frustração me toma
...meus sonhos estavam ali, arrumados com tanto carinho achando que desembarcavam no destino combinado.
Tive vergonha deles por que eram muitos e eu mesmo os arrumei com a promessa de que iriam para o mundo real...
Pesava leva-los, eu já sabia
mas garanti que os levaria comigo e que os faria realizados.
...não fosse o medo de viajar...
Escondo a face, fecho a mala e digo que vou no próximo horário pra que eles permaneçam em minha mala pacientemente esperando por mim.
Só agora percebo q não reparei se eles tem validade,
alguns podem se desfazer com o tempo...
Prefiro não voltar a olhar e me contenho aflita
não sei se brigando com o tempo ou comigo mesma.
Tenho uma vontade imensa de colocar as mãos em meu íntimo e arrancar de vez este medo paralisante.
Mas vejo que as mãos são frágeis e a fonte da minha coragem está no meu desejo que pouco a pouco podei com minhas próprias mãos...
Ergo-me do sofá e olho o jardim
de onde uma luz parece brilhar diante dos meus olhos:
as roseiras cresceram muito e faz pouco tempo que foram podadas...
- Sou maior que elas, me animo!
...tudo aquilo que podei, voltará a crescer, se eu quiser...


Aborto

Silêncio na madrugada...
Acordo sentindo a perda do meu primeiro filho;
aquele que gerei em meus sonhos e sentia nos meus pensamentos.
- Não quero perdê-lo! grito desesperada quebrando o silêncio da madrugada enquanto uma dor rasga-me profundamente e fecho os olhos para não vê-lo sair...
...tão lindo menino fecundado num ninho de amor e violenta paixão que me arrebatou à imaginação que o fez existir...
Sotaque estranho, sangue tranqüilo, bebê perfeito.
Fruto do amor mais desmedido e encantador que se possa viver.
... queria nascer, queria olhar o mundo e transformar o corpo e a vida daquela que pretendia ser mãe.
- Não posso olhar seu rosto, filhinho. Não aceito aborta-lo dos meus pensamentos porque te criei pra nascer e preciso da tua companhia...
( ninguém mais ouve meu grito.Se ouve, ninguém pode socorrer...)
Sinto-me pequena enquanto entendo que meu filhinho se vai...
Morreu nos sonhos, deixou-me desalentada.
Quisera eu traze-lo de volta, arranca-lo dos sonhos e dar-lhe vida meramente com a força do meu pensar...
- Seu pai abriu mão de trazer-te – digo baixinho. – Li esta frase e nela não marcava o dia de voltar...
...talvez nunca volte.
Perdoa filhinho...
Sua mãe também sofre porque um pedaço dela morre contigo;
levas embora um sonho colorido no qual tua mãe usou as melhores tintas para pintar...
Descansa tranqüilo, tu sempre será único.
Tua mãe te fará existir na memória
Vivo, forte e lindo!
E te eternizará nas inúmeras linhas em que tiver de contar esse amor...

Sandra Lima Costa Melo (Sandra Melo) nasceu em 29 de fevereiro de 1976 na cidade de Serrinha, interior baiano.
De personalidade introvertida e centrada sempre encontrei na escrita a forma ideal de expressar minha sensibilidade aos detalhes que marcam coisas, eventos e pessoas. Logo na infância, meu sonho era escrever um livro, mas somente agora resolvi perseguir o meu sonho. Estou tentando editar uma Biografia que escrevi há dois anos e fiquei feliz por conhecer a sua iniciativa que acho ser uma forma brilhante de divulgar o nosso jeitinho baiano de viver.

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