quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus - 2006 - Texto Aline Vitória Melo de Sousa

A criação IV

O que foi criado
já foi e pronto!
Não serve mais
para o poeta.
Foi algo imprescindivelmente
necessário
mas só por alguns instante.
depois de “parido”
está morto e
imortalizado.





Breve consumo

Eu, tão facilmente cheia de tédio,
nem sei como, me dei a ti.
E conforme tu sentiste tudo,
senti tudo e sinto tudo.
E de uma forma bonita e singela,
essa forma que não nos coube,
dessa forma bela, de mãos dadas,
não nos demos.
Dessa mesma forma nos afastamos
dessa forma ficamos, findamos.
Tão efêmero e célere, mas intenso.
Foste tudo
em pouco tempo.
Foste o primeiro e o último
pensamento do dia.
Foste herói, foste bandido, foste gentil
e foste cruel.
Foste doce e foste duro, foste amável
e foste indiferente
foste tu.
Trouxe-me a vida e a morte,
o gozo e a dor.
Todos os gozos e todas as dores
que eu quis sentir.
Penetraste em mim por todas as vias,
no corpo e na alma.
Despertaste em mim desejos latentes...
Fui consumida num breve momento
por um sentimento singular
que me entontecia
que me embriagava
e que às vezes ainda insiste...
me deixo consumir.
E essa madrugada que virou rameira minha
vem toda noite e se instala em minha cama
leva meu sono e traz tua imagem
e, com ela, a insônia...





Identidade

Vira-te, move-te
volta-se e revolta-se
revolve-se.
Muda-te, transforma-te
continuas assim.
E assim serás,
um dia, a sombra,
apenas a lembrança
do que um dia fostes.



Sonho de poeta

Ter um intelecto superior
viver em outro plano
não fazer parte
da classe dos reles mortais
não ser semi-deus
ser o próprio!


A criação III

O poeta se expõe.
Se despe despudoradamente
como se despe uma prostituta.
Arreganha a alma e a mostra
como uma rosa que desabrocha.
Nu e sem pejo fica,
com isso não se importa.
A criação é maior que tudo.
Maior que os olhares alheios,
maior que as idéias alheias,
maior até,
que ele mesmo.


A dança dos amantes

É uma luta, uma dança
uma briga de criança.
Um jogo, um enlevo
um riso e um chôro.
Um mergulho gostoso
em gostosa água.
Uma virada brusca
com reflexo perfeito.
Uma corrida sem prêmio.
Uma ginástica vã.
Que finda num cansaço
de corpos quase mortos
enlanguescidos de gozo
e com saliva fresca
à borda dos lábios.



Conhece-te ao outro

Na singular e peculiar
linguagem dos amantes,
como saber algo
se o que se ouve
são sons involuntários,
palavras cortadas,
gemidos e sussurros?


O desentender

A minha lingüística sente o gosto amargo
dos teus vocábulos.
Roço devagar a ponta da língua
na tua fala oblíqua.
Desesperadamente busco a compreensão
dos sons que proferes.
Perco a noção da dicotomia saussureana
significante/significado.
É demasiado cruel compreender.
Escarlatemente converto-me em ignorante
e passo a desconhecer o meu vernáculo.





A Sá-Carneiro

Ah! Como eu queria agora
meter-me sob cobertores
e lá ficar como um doente
um pobre acamado e triste.
Queria debulhar-me em lágrimas
e desaguar a valer.
Lavar a alma
com as gélidas lágrimas
dos espelhos dela.
Rios de angústia...
Mas esses espelhos
não vertem mais.
São rios secos.
O dono deles
não as consegue expulsar
e por para fora a dor.
Tamanha dor
inexplicável dor
inexorável dor.
Dor de alma
dor de doença invisível,
incurável.
Dor que acomete o coração,
apertado, espremido,
e o juízo.
Ah! Sá-Carneiro!
Quando falas de dor
compreendo-te bem.

ALINE VITÓRIA MELO DE SOUSA (Aline Vitória) é natural de Salvador, Bahia, e reside em Santo Amaro-BA. Ela escreve desde criança, tendo, ainda na infância, enviado uma história para o concurso “Cadê a história?” promovido pela rede de supermercados “Paes Mendonça”. Assim, já se percebia certo interesse em contar e divulgar as histórias que criava. Desde então a sua escrita só tem evoluído e o gosto pela leitura foi se aprimorando. Formada em Letras Vernáculas pela UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana, atua na área da educação, lecionando Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no município onde reside e inicia um projeto de leitura de contos nas escolas públicas da região. Trata-se de um projeto de trabalho voluntário que visa aproximar a literatura dos jovens estudantes do município.

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