quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus - 2005 - Textos Maria Jacinta

Efervescência

O turbilhão das inquietações espirituais “sentou praça” em minha mente.
Para não ser atropelada pela avalanche desgovernada das interrogações, sou impelida a escrever sem obedecer a uma linha de raciocínio lógico...
Ou seria a lógica do raciocínio?
Todo raciocínio não é lógico?
Ou esse raciocínio não tem lógica?
Na conjuntura logística ou na logística conjuntural, não vejo razões que justifiquem tais pensamentos...
Ou seria: não vejo justificativas para essas razões?
Como responder a esta problemática?
Como problematizar essa resposta?
Devo interceptar a veia do dilema?
O dilema pode ser interceptado?
Como saber?
Dilema tem fim?
Cheguei ao fim do dilema?

17.11.03 (ponto de ônibus – Bonocô)



Duas faces

Você é assim...
Tudo ou nada
Você é uma flor de beleza rara, que perfuma o meu ambiente e me faz derramar sangue de dor...
Suas pétalas me acariciam
Seus espinhos me ferem
Seu cheiro me inebria
Sou hipnotizada. Seu poder de sedução me paralisa.
Estou prestes a me tornar o pó da terra para lhe dar sustentação.
Vou me transformar em água para alimentar o seu viço.
Serei o ar da sua respiração. Serei sua salvação.
Darei-lhe carinho e atenção. Esquecerei de mim...
Vê-la brilhar será a minha gloria! Mesmo que seja em jardins proibidos para visitação pública
De longe, observarei através de lentes de aproximação.
Não terei tristezas e sofrimentos.
Cheguei na limitação da vida.
(05.05. 2002)



O soberano dos deuses

O tempo é o senhor do universo! É o grande ditador das regras da vida! Sua soberania vai além da compreensão humana! É o promotor das avalanches emocionais nas suas mais variadas manifestações. Ele as faz surgir como a velocidade de um raio e desaparecer como a velocidade da luz. É o poder absoluto. Constrói e destrói com a mesma habilidade. Os frágeis humanos são manipulados como fórmulas experimentais.
Entregam-se, rendem-se, doam-se, dilaceram-se, arrebentam-se e reconstroem-se numa seqüência ininterrupta. A mão que fere é a mesma que põe o bálsamo aliviador. Como resistir a este jogo perverso, destruidor e ao mesmo tempo construtor e encantador?
Não há forças, não há limitações. Somos escravos à mercê dos seus caprichos. Não reagimos ao que está escrito nas tábuas do destino. Somos marionetes à serviço das artimanhas do livro da vida.
O tempo nos adoece e cura. Nos faz amar, nos faz esquecer. Nos faz sofrer e nos faz feliz!
Como é inconstante, instável, zombador, cruel e maravilhoso, muda de humor facilmente, invertendo a lógica dos fatos.
Cura e potencializa uma doença mais grave. Permite o esquecimento para que nosso coração seja esmagado por um novo amor. Inunda a nossa vida de momentos felizes e depois nos coloca no caldeirão fumegante do sofrimento.
No ápice da crueldade ele simplesmente ignora a existência de alguns sobreviventes das guerras existenciais.
É nesse contexto que estou inserida. Não sou ninguém diante dele. Minha vida não tem luz, não tem cor, não tem alegria, não tem razão, não tem prazer, não tem felicidade.
Até quando?
Como posso saber?
Não é o tempo que decide tudo?
Ou será que posso decidir por ele?
Só ele terá a resposta...



À deriva

O que estou vivendo? Uma realidade de sonhos, um sonho real ou a neutralidade da situação dúbia?
Pela fresta da janela observo a chuva que cai com intensidade alternada; acompanho cada detalhe com interesse demasiado... Por que? Não saberia responder prontamente. Estaria buscando a lógica do fenômeno ou o fenômeno da lógica? Seria conceptismo?
Essas indagações dão margem para para o boom do turbilhão em que vivo.
Dúvidas, incertezas, inseguranças, medos, ilusões, desencantamentos, insatisfações, preocupações, angústias, tristezas, solidão, inquietações.
Estou no escuro. Estou numa concha ou exposta a todas as intempéries da desproteção total?
Sou a prova viva da revolução intempestiva do redemoinho da introspecção.
Vivo a controvérsia da razão... ou seria da emoção?
Pontos se convergem e contrapõem à luz do real ou irreal. Sigo sem firmeza do que sou, do que quero, do que espero, do que vivo. Para fugir do fosso do desespero, tento me agarrar a algo. O refúgio mais seguro encontro no papel em branco. Aos poucos vou imprimindo as tortuosas palavras que teimam aparecer.
Sou o retrato da interrogação e exclamação da palavra, dos pingos de chuva que esparramam pelo chão.



Revira e Volta / Retroprojetor (22/11/2003)

Máquina em desuso. Acreditava, pelo longo tempo que estava abandonada em um canto qualquer que estava quebrada. Ao vê-la empoeirada no abandono pensava:
Melhor assim. Não poderá projetar as imagens espalhadas pelas gavetas do tempo.
Não vê-las, evitaria retroceder ao passado e amargar a tristeza de não poder renovar as emoções que extravasaram a plenitude do meu ser. Envolvida pelo engodo veloz do marcador das horas, raramente lhe dirigia meu olhar.
Hoje, contrariando a ordem da faxina geral, volto minha atenção para a relíquia abandonada. Lentamente, vou tirando as camadas de poeira que a protege das intempéries do tempo. À medida que vou descortinando a camada de sujeira, vai crescendo a vontade de testar sua resistência e de provar sua funcionalidade.
A curiosidade, o desejo aumentam. De repente, num impulso, aperto o botão e a mágica funciona. Luz e ação! As imagens são projetadas numa explosão de luzes e cores. Sou envolvida pelo mundo fantástico da ilusão. Os flashes surgem desordenados, uns sobrepondo sobre os outros. Neste momento, sou tomada pela irracionalidade da natureza animal. Entrego-me aos encantos e às artimanhas de retro-projeção de lembranças que fizeram meu corpo arder nas loucuras do amor e da paixão...




Ida e Volta

A distância entre o real e o imaginário é a mesma da imaginação para a realidade. Quem trilha esse caminho, adquire e desenvolve habilidades não previstas... Depois de vencer a multiplicidade de obstáculos do caminho, tem-se uma experiência enriquecedora de erros e acertos, vitórias e derrotas, alegrias e frustrações, de medo e coragem, de desânimo e força, de irracionalidade e lucidez. É uma linha traçada no espaço entre o abstrato e o concreto.
Como atravessar esse caminho no abismo sem desequilibrar-se e cair? Correndo? Caminhado? Rastejando?
Qual a atitude mais eficiente? Ninguém sabe responder. Ninguém dá dicas. Ninguém orienta.
Diante das dúvidas, tente! Vá e volte!
Nesta competição, só há comemoração quando se constata o retorno ao ponto de partida.
Fui...



“Dês”mascarando

Já se deu conta de quanta máscaras possui?
Quantas e quais você já usou?
Quantas e quais você esta usando agora?
Quantas e quais estariam ou estão guardadas?
Já se perguntou, quando mira o espelho, se a imagem refletida é a sua expressão verdadeira?
Será que o que vê, é o resultado de uma seqüência de máscaras sobrepostas? Se tirá-las, o que veria? Uma imagem real? Imaginária?
Será que você é você mesmo? Se fosse, teria a mesma família, os mesmos amigos, as mesmas atitudes?
Seria aceito pela sociedade?
Teria a mesma cor, o mesmo sexo?
E a linguagem? Seria o português? Seria algo original?
Usaria roupas tradicionais, modernas, alternativas ou nenhum tipo?
Será que seu revestimento natural seria suficiente?
Sem máscaras, teria coragem de ir às ruas?
As pessoas lhe respeitariam?
Seria ouvido? Seria entendido?
Sem mentiras e sem disfarces, o que falaria?
Será que as palavras seriam mascaradas também?
Diria a verdade? Será que elas ofenderiam? Daria cadeia?
As palavras teriam um efeito bomba? Matariam? A língua seria cortada?
Se não tivesse voz, não soubesse falar, entenderiam seus gestos, seus sinais?
Falaria através da escrita? E se suas letras não fossem decifradas?
Ficaria isolado do mundo? Ficaria à margem do processo mascaralisatório?
Sobreviveria? Morreria? Teria salvação no reino eterno?
Se sobrevivesse, resistiria à pressão da sociedade mascarada?
Máscaras...
Por que usá-las?
Por que não usá-las?
Tirá-las levaria a um caminho de liberdade total.
Usá-las, sepultaria para sempre o desejo de um dia ser
Você mesmo.



Maria Jacinta, natural de Santa Maria da Vitória/Ba, funcionária pública estadual, turismóloga e cronista. Também escreve poemas. Esta é sua primeira oportunidade de publicar textos literários, que os escreve desde tenra infância.

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